15 de janeiro de 2011

Essa casa

Lá,
nessa morada,
há uma casa.
Ouvi falar dela, certo dia.
Uma casa cheia de luz,
cheia de música,
cheia de Deus.
Uma casa enorme
onde,
nem no meu maior momento de ousadia,
pensei entrar.
Curiosa, sonhava com essa casa,
irreal, imaginária.
Era demasiado pequena,
a casa demasiado grande.

Naquela manhã, passei lá perto.
Ouvi chamar.
A porta da casa estava aberta e,
pensando que a origem do chamamento daí provinha,
espreitei.
Vi sacos do lixo,
gavetas abertas,
armários por arrumar,
prateleiras meio vazias.
Estariam a arrumar a casa?
Se calhar alguém queria a minha ajuda para essa tarefa,
se calhar o tímido chamamento tinha mesmo vindo da casa
e fiquei.
Ia remexendo nos objectos,nas roupas, nas coisas,nas memórias.
A minha imagem da casa começava a formar-se,
como um puzzle.
Esse arrumar era agora delicioso,
estava a gostar daquela descoberta,
daquele jogo.
Eu resplandecia, luminosa, na alegria de estar na casa
com que sempre sonhara.
Era a casa dos meus sonhos!
Era ela, mas ainda melhor!
Quanto mais a conhecia,
mais me apercebia da sua real dimensão.
Quanto mais a conhecia,
mais havia a conhecer.

Nessa noite houve uma festa.
Eu fiquei à porta
a ver a casa encher-se de gente.
Iam chegando pessoas,
a casa ia ficando completa, cheia, transbordante.
Eu queria ficar para a festa,
mas quando decidi entrar,
a casa estava mais cheia do que pensei,
completamente cheia,
não havia espaço para mim.
Mas não fui embora.
Fiquei a assistir às luzes, ao barulho, às gargalhadas,
àquela festa interdita.
Fiquei a assistir pela janela, cá fora.
Ia esperar, decidi.
Ia esperar que alguém saísse. Alguém que se cansasse e se fosse embora.
Alguém que se fosse embora para não mais voltar,
pois se esse convidado fosse embora, eu entrasse e ele regressasse,
eu teria de voltar a sair, para ele reentrar.
Então, só me restava aguardar por essa saída sem retorno,
uma despedida para outra morada,
uma cedência de lugar.
Só assim poderia ter o meu lugar na festa. Só assim não seria substituta de ninguém e seria eu.
A noite ia passando,
mas eu não desesperava, na espera.
Queria mesmo entrar, queria mesmo conhecer mais a casa, continuar o jogo, a descoberta, ai que deliciosa descoberta!
O tempo passava,
e eu decidi sentar-me, a esperar.
Aí estou,ainda,
sem saber quem sairá,
sem saber quando sairá,
(sem saber se alguém sairá).
Mas cá fora faz frio,
a pedra da porta, onde me sentei,onde espero
é fria. Tão fria! E o vento?
Gelado, cortante, paralisante.
Nem o barulho e as luzes do interior da casa me aquecem.
Só lá dentro estaria bem,
só lá dentro é que queria estar.
Enquanto ninguém sai,
enquanto eu não entro,
continuo aqui,
nesta soleira de porta entreaberta,
numa casa sem lugar para mim
e onde teimo em querer entrar.
Quem me dera que a desesperante espera me cansasse
e eu decidisse ir bater a outra porta.

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